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'Tem que ter punição, senão o usuário vai consumir mais drogas', diz ministro

Osmar Terra quer endurecer política de entorpetecentes; policial pode assumir secretaria
O ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, é a favor da Guerra às drogas Foto: Michel Filho / Agência O Globo
O ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, é a favor da Guerra às drogas Foto: Michel Filho / Agência O Globo

RIO e BRASÍLIA - O governo interino de Michel Temer pode causar um endurecimento na política sobre drogas. Por um lado, o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, decidiu substituir Rodrigo Delgado, representante da pasta no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), para tentar barrar a proposta de descriminalização do uso de entorpecentes no país. Enquanto isso, um coronel da PM foi indicado pelo ministro da Justiça, Alexandre Moraes, para assumir a Secretaria Nacional de Drogas.

Temer ainda não confirmou a indicação do coronel Roberto Alegretti, que trabalhou com Moraes na Secretaria de Segurança de São Paulo. Mesmo assim, especialistas já temem um endurecimento. Eles dizem que essas mudanças vão contra a política de abordar o uso de drogas pelo viés da saúde e da área social, algo que vinha ocorrendo em anos recentes. Além disso, líderes como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-secretário geral da ONU, Kofi Annan, vêm se pronunciando publicamente contra a chamada guerra às drogas, amplamente criticada por provocar mais prejuizos à saúde das pessoas do que o próprio uso de drogas.

Médico e ex-secretário de Saúde, Terra pensa de forma bem diferente. Ele considera que o Conselho Nacional de Drogas está impregnado de um pensamento ideológico pró-legalização. O ministro diz ter levado o posicionamento contrário à flexibilização ao ministro da Justiça, a quem está atrelada a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad).

— Até onde eu entendi, ele tem uma visão muito próxima à minha — disse Terra ao GLOBO.

Moraes, por sua vez, sinalizou que o debate sobre a descriminalização da maconha e outras drogas não deve ser um tema prioritário no governo Temer. Questionado pelo GLOBO, ele afirmou que caberá ao Supremo Tribunal Federal analisar o assunto. O STF está avaliando, desde o ano passado, uma ação que pode descriminalizar o porte de drogas para uso pessoal no país, mantendo o tráfico de entorpecentes ilegal.

— O que é importante é a tese que o Brasil já adotou há um tempo que impossibilita a pena privativa de liberdade ao usuário, porque é uma questão de saúde pública — disse o ministro da Justiça.

Moraes indicou o coronel da Polícia Militar de São Paulo Roberto Allegretti, com quem trabalhou durante o governo Geraldo Alckmin em mais de uma ocasião, para chefiar a Senad, conforme antecipou a coluna de Lauro Jardim, do GLOBO. A confirmação de Alegretti no cargo, porém, só poderá ser feita pelo presidente interino.

Como ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra não coordena a política de drogas do governo federal, mas ele promete usar sua influência para fazer valer suas convicções.Para Terra, a legalização de drogas ilícitas, inclusive a maconha, levará a um consumo maior, que, por sua vez, aumentará o número de pessoas doentes, e também a pobreza. Ele critica a ideia de que o mundo perdeu a chamada guerra às drogas.

— O Brasil nunca fez uma guerra às drogas de forma séria, com controle de fronteiras, leis mais duras para o tráfico e campanhas educativas — disse o ministro, que avalia a descriminalização do uso como primeiro passo para a legalização geral. — Tem que ter algum tipo de punição, senão ele (o usuário) vai consumir mais. É claro que existe o usuário recreativo, mas isso é uma loteria.

Na última sexta-feira, a Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD) divulgou uma nota afirmando que “vê com preocupação os primeiros movimentos do governo interino no tocante à política de drogas.” O advogado Rafael Custódio, coordenador do programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos, criticou as declarações de Terra:

— A ideologia que o ministro (Osmar Terra) traz tem no mínimo 50 anos de idade. Ele precisa se atualizar. A perspectiva do governo interino sobre a temática é muito preocupante. O nome indicado para a Senad é de um coronel da PM que vem de um contexto de repressão. A Senad tinha se tornado um interlocutor importante com a sociedade civil e vemos isso com muita preocupação.

Apesar de considerar cedo para fazer qualquer análise, a pesquisadora do Instituto Igarapé Ana Paula Pellegrino defende que o governo atual garanta os avanços conquistados:

— Esse governo tem responsabilidade de não voltar a uma retórica dura em relação ao uso de drogas — diz. — Insistir no erro não vai trazer acerto. Temos que bater na tecla que o uso de drogas é questão de saúde pública e retirar o usuário da esfera criminal.