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Uma decisão judicial faz avançar o debate sobre a maconha no Brasil

Um juiz absolve um homem que tentava entrar drogas em um presídio Diz que a proibição é fruto de uma cultura "atrasada"

Um homem com maconha durante uma passeata no México.
Um homem com maconha durante uma passeata no México.TOMAS BRAVO (REUTERS)

Após décadas de uma política repressiva e de combate às drogas leves, o Brasil conheceu nesta quarta-feira por meio da imprensa uma decisão favorável a um réu confesso acusado de tráfico de drogas. Mas o mais impressionante são as circunstâncias: Marcus Vinícius Pereira Borges tinha engolido mais de 50 trouxas de maconha e tentava entrar no Complexo Penitenciário da Papuda, o mesmo em que cumpre pena o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, quando foi detido pelos agentes penitenciários do local.

Ainda assim, o juiz de direito substituto Frederico Ernesto Cardoso Maciel, da quarta Vara de Entorpecentes do Distrito Federal, o absolveu. “Soa incoerente o fato de outras substâncias entorpecentes, como o álcool e o tabaco, serem não só permitidas e vendidas, gerando milhões de lucro para os empresários dos ramos, mas consumidas e adoradas pela população, o que demonstra também que a proibição de outras substâncias entorpecentes recreativas, como o THC, são fruto de uma cultura atrasada e de política equivocada e violam o princípio da igualdade, restringindo o direito de uma grande parte da população de utilizar outras substâncias", argumentou Maciel na sentença.

Na América Latina, o debate ganhou uma nova dimensão após meses de discussão de um plano do Uruguai para regular a produção, distribuição e o comércio, que entrou em vigor em dezembro do ano passado.

No Brasil, há movimentos sociais importantes que defendem uma política mais tolerante para as drogas leves. O que causou mais repercussão foi a Marcha da Maconha, que chegou a ser proibida previamente pela Justiça de se reunir em São Paulo e em outras cidades em 2011, mudou de nome para Marcha pela Liberdade de Expressão e acabou em confrontos com a polícia.

Para Rafael Gil, sociólogo e militante do Coletivo Princípio Ativo, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a decisão enriquece o debate, demonstrando que as leis são uma construção da sociedade. “A decisão do juiz (Maciel) é uma mudança a favor do diálogo”, avalia.

A causa também conta com o apoio de políticos e figuras respeitadas. O mais famoso é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que hoje é uma espécie de embaixador do assunto. Ele foi um dos principais porta-vozes no documentário Quebrando o Tabu (veja o filme completo), do cineasta Fernando Grostein Andrade, que analisa as experiências políticas com drogas leves em diversos locais do mundo.

Além dele, em meados de dezembro passado, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que jovens com pequenas quantidades de maconha não deveriam ser presos.

Para Roberto Dias, professor de direito constitucional da PUC-SP, a decisão de Maciel é fundamentada por três princípios: o usuário de maconha causa danos apenas a si mesmo, não a terceiros; o Estado, ao intervir no assunto, invade uma decisão de foro íntimo; e a política de repressão ao consumo atual causa mais problemas do que simplesmente descriminalizar.

Dias afirma que, ainda que um juiz tenha o poder de tomar uma decisão como a de Maciel, uma eventual mudança depende do Legislativo. “Olhando para a composição conservadora que prevalece no Legislativo brasileiro, é difícil pensar que algum político vá se arriscar politicamente pelo assunto”, diz.

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